segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Opinião - Fair Play

Para além de toda a discussão e possíveis conclusões a tirar da primeira jornada da liga, há uma análise a fazer que se torna interessante pelas ilações passíveis de se transportarem para a generalidade do futebol português.

Atentando na partida da Luz, poucos serão aqueles relutantes em eleger Peçanha como o homem do jogo. Mal soou o apito final e começou a análise do confronto pela imprensa online, distinguiu-se a exibição monstra do guardião insular. Foi elogiado por Carvalhal, elogiado por Jesus e coroado herói pelos periódicos desportivos. Começou também a enxurrada de protestos, em comentários encarnados, pela falta de “fair-play” demonstrada, durante praticamente todo o segundo tempo, pelo guarda-redes do Marítimo. As críticas têm obviamente razão de ser.

Quem seguiu o jogo constatou as constantes quebras no ritmo, não só pela demora na reposição da bola em jogo (pela qual Peçanha foi admoestado apenas aos 84', quando se impunha que o tivesse sido mais cedo), como pelas constantes “lesões”, protestos e afins.

A questão do tempo útil de jogo não é nova, mas “queimar tempo” parece demasiadas vezes mais uma arma que as equipas pequenas levam aos estádios mais difíceis, como forma de tentar segurar um ponto que dão a priori como perdido. E isto é péssimo para o espectáculo. Quem paga para ir a um estádio não pode ficar contente ao constatar que 30% do valor que pagou pelo ingresso foi, na verdade, para assistir a teatros mais ou menos circenses, em que jogadores que se contorcem e rebolam pelo chão em dores excruciantes, ganham uma vitalidade redobrada no momento em que tocam a relva que há para além da linha branca.

Que soluções adoptar em nome de um espectáculo mais verdadeiro, mais desportivo, mais parecido com desporto e menos com wrestling?

Em primeiro lugar, urge dar aos árbitros instruções precisas para punir comportamentos que se enquadram perfeitamente no anti-desportivismo. Todos nos lembramos de Jorge Costa, na era Mourinho, encostado ao poste à espera de “limpar amarelos”... Os árbitros conhecem o futebol português e estas são situações que são fáceis de identificar e não podem passar em claro. Os 90 minutos servem para se jogar futebol.

Quanto ás lesões que parecem crescer exponencialmente à medida que os minutos começam a escassear, talvez esteja na altura de rever alguns conceitos do fair-play. No caso da “convenção” que uma equipa deve atirar a bola para fora quando um jogador está caído no chão, tal combinação serve na maioria dos casos para que a equipa que está a ganhar se aproveite desse fair-play, para não só subverter o espírito do jogo, como também o da solidariedade entre profissionais. Há dois anos o F.C. Porto anunciou que não voltaria a colocar a bola fora do campo, para que os jogadores adversários pudessem ser assistidos. No comunicado lia-se que “cabe ao árbitro o papel de aferir da necessidade dos atletas serem assistidos e, consequentemente, de se proceder à interrupção da partida”. Na altura, tal decisão foi muito criticada, mas na verdade, parece ser a única forma de deixarmos de ver lesões gravíssimas que duram cerca de 30 segundos e roubam 2 minutos a um jogo prestes a acabar. O Porto deixou de fazer isto como sistema, mas se todas as equipas o fizessem haveria mais, e não menos fair-play. Haveria menos jogadores no chão, se soubessem que a equipa contrária marchava a grande velocidade em direcção à sua baliza.

Substituições. Se já ninguém acredita na gravidade de 90% das lesões no último quarto de hora, da mesma forma, já ninguém espera que as substituições nos últimos dez minutos preconizem qualquer tipo de alteração táctica, quando a equipa que as faz está a ganhar. A substituição-cananço ganha ainda outro relevo com as variantes substituição-câmara-lenta e a substituição-ah-e-tal-dá-mesmo-jeito-é-sair-pelo-lado-oposto-do-campo. Mais uma vez, são situações que defraudam o espírito do jogo e as expectativas de quem o vê. Por mim, proibia-as nos últimos dez minutos da partida. Se as quiserem fazer, façam-nas em tempo útil e não para queimar segundos. As equipas mantém-se em igualdade e o espectáculo melhora (com nuances a discutir quanto a prolongamentos e afins, mas fica a ideia geral). Outra ideia foi avançada há alguns anos pelo treinador do Belenenses, que já tem nome na praça como teórico do futebol. Dizia então JORGE JESUS que “alguém tinha de intervir de forma a proteger o futebol e eliminar os tempos mortos.(...) defendeu que as substituições no futebol devem ser processadas pelo 4º árbitro e sem haver necessidade de parar o jogo. Assim, a equipa que as quiser fazer terá todo o interesse em despachar-se e não fazer parar o jogo.” Parece simples. O quarto árbitro está lá para alguma coisa, pode perfeitamente atestar da regularidade da substituição e controlar não só o número de jogadores em campo, como também impedir que um jogador entre a meio de uma jogada de perigo.


Em jeito de conclusão, têm de facto razões para se queixar os adeptos do Benfica. São práticas vulgares neste tipo de jogos (e não só, porque os “grandes” também o fazem), que têm de ser analisadas e discutidas pela liga e pelos árbitros, de forma a fazer regressar aos estádios o gosto pelo futebol e deles fazer desaparecer o desporto-cananço-do-tipo-wrestling.




P.S. - Após o convite (do qual muito me orgulho) para fazer parte da equipa do scoutingground, decidi aceitá-lo sob a forma desta “coluna” de opinião. Deixarei os comentários tecnico-tácticos para quem de direito e neste espaço tentarei alargar o espectro de temáticas do site. As opiniões expressas nas minhas crónicas são da minha inteira responsabilidade. Ao scoutingground agradeço uma vez mais a oportunidade de publicar os meus “dois cêntimos”.

1 comentário:

Rui Silva disse...

Está espectacular. Parabéns.